Três minutos

O tempo,  já sabemos, é relativo. Por causa de três minutos eu fui descartada. Três minutos. Eu não estava em frente ao notebook para responder imediatamente a uma mensagem, havia ido ao portão atender alguém que chamava. Quando voltei à mesa, vi a mensagem e respondi. Silêncio. Momentos depois insisti e nada.

Ilustração: Revista Super Interessante

Soube, dias depois, que “demorei demais a responder”. Não se tratava de teste ou entrevista, era o primeiro contato após a pessoa ter recebido meu currículo. Eu, que geralmente respondo e-mail e whatsapp rapidamente, fui considerada lerda e, por isso, ignorada.

Quanto tempo temos?

Prestígio?

Um dia na redação do Diário da Amazônia, uma colega atendeu ao telefone. Era uma colunista do interior do estado convidando-a para escrever uns artigos para uma revista. -“Ah, que beleza”, respondeu a minha colega. -“E quanto é o cachê?”, perguntou. -“Você terá o prestígio de ter seu nome na minha revista”, respondeu a colunista.

A repórter desligou o telefone indignada, claro. Nos contou a história, que virou piada “interna” de todos que ali estavam. Hoje “prestígio” é uma expressão conhecida por muitas pessoas que souberam desse fato tão pitoresco.

Lembro-me sempre desse episódio ao ler as inúmeras ofertas de vagas de emprego em que o candidato precisa lavar, passar, cozinhar e construir um foguete em quatro horas pela honra de ter o prestígio de servir a determinada empresa.

Como diz um amigo fotógrafo: -“Meu senhor, prestígio não enche o tanque de gasolina!”.

Como nasceu a jornalista

Desde criança tenho grande admiração pelos professores, por essa profissão que transforma vidas, que traz luz à ignorância. Minhas irmãs e eu montávamos o cenário de escolinha: papéis, lápis, canetas coloridas e tocos de giz. Lembro-me do dia que nossa mãe puxou uma lona preta no corredor entre o muro e a casa e fez uma sede para nossa escola. Ali foi fermentada a minha vontade por “ensinar”.  Eu sempre gostei muito de ler. Ficava ansiosa todo início de ano para receber os livros didáticos. Era um ritual: colocava um ao lado do outro em cima da cama e, claro, começava pelo livro de Português.

Abria-o, encostava o nariz em suas páginas e sentia o cheirinho de tinta nova como se fosse o perfume secreto de alguma floresta mágica. Virava as páginas e passava a mão, como se o toque fosse antecipar todo o conhecimento que estava ali para ser descoberto durante o semestre. Depois de folhear todo o livro, começa a ler as crônica, poemas, tirinhas – o que tivesse de “historinha”. Ah, preciso dizer que o livro de matemática não ganhava essa atenção, era apenas folheado muito por cima.

Ainda criança gostava de ler também reportagens, histórias reais contadas como se fosse uma vizinha, cheia de detalhes. Revistas sempre me atraíram. Não demorou muito para eu começar a escrever as minhas histórias. Escrevia no caderno procurando imitar a forma da narrativa do repórter. E assim foi crescendo minha vontade por trabalhar em uma revista e contar histórias de pessoas. Aproximar leitores de personagens. Eu já sabia o que queria, muito mais do que ser professora, queria ser jornalista – quem sabe uma escritora? – não, não. Aí já era demais, pensava.

E o tempo voou, tornei-me adulta e logo que pude virei assinante de Círculo de Livro e de revistas semanais. Assistia a todos os telejornais possíveis. Apaixonada por reportagens, colecionava histórias.

Sem acreditar que um dia poderia tornar-me jornalista, nunca me preparei para realizar este desejo. (E fica para eu contar depois essa parte da minha vida).

Um dia assistindo ao telejornal local do SBT, no intervalo um chamado: “se você tem boa redação, gosta de escrever, venha fazer parte da equipe de redatores da TV Allamanda”.  Claro que o anúncio não era exatamente assim, mas a finalidade era a mesma: contratar redatores. Senti um frio na espinha. E minhas irmãs começaram: “Marcela, você não quer ser jornalista? Vai lá, irmã!” E eu fui! Morrendo de medo, de vergonha, mas fui.

Flagrada não sei por quem sentada na mesa da chefa na TV Allamanda

Fiz o teste de vídeo. Péssima. Minha vontade era escrever, não queria estar a frente de câmeras, e sim por trás delas. Na prova de redação eu me soltei, montei uma matéria a partir de uma notícia que tinha lido em uma das revistas que assinava. Como eu imaginava, não fui chamada para trabalhar.

E a vida seguiu por três meses até o dia que recebi uma ligação da pessoa que seria minha primeira e mais importante professora de jornalismo e entraria para a lista de amigas-irmãs queridas. Fui para a entrevista com a jornalista Nara Vargas. Ela me mostrou minha redação, a melhor entre todas da seleção de meses antes. Soube que não fiquei com a vaga porque fui muito mal no teste de vídeo (Oh, quem diria?!), mas estavam precisando de alguém que soubesse escrever bem para fazer o jornal mais importante da emissora.

Meses depois já não era mais redatora, era apresentadora de um programa de notícias populares. Ao vivo! Imagina? Eu ao vivo. Seguiram-se então a bancada do telejornal da TV Meridional, a Band local, e depois, finalmente, consegui o que me interessava: a rua! Fui para a reportagem escrever e contar histórias. Não era revista impressa, mas bem melhor do que ser “âncora”. Para mim, claro. Sei de gente que daria muita coisa para estar numa bancada.

Quatro anos de TV, de escola, de preparo, me levaram para o impresso. Repórter, editora, editora-executiva, editora-chefe, coordenadora de conteúdo… professora de jornalismo!

Noite que me tornei jornalista profissional oficial

Volta lá para meu primeiro sonho profissional de infância. Quando concluí o curso de jornalismo – sim, muito tempo depois de prática, fiz o curso, pois não havia em Porto Velho -, fui convidada para dar aulas. E eu fui fazer o que acredito que seja a principal função de um professor: compartilhar conhecimento, colaborar com o crescimento do outro, formar. Gostei demais da experiência. Acredito ter colaborado com os alunos, hoje colegas de profissão.

Essa linha do tempo sobre minha vida profissional me fez refletir sobre eu nunca ter me preparado, pelo menos conscientemente, para nada disso. Deixei a escola muito cedo (depois eu conto), não pensei que conseguiria cursar uma faculdade (cursei duas), nunca ambicionei nada além de trabalhar “direitinho” e fazer o melhor, independentemente do local onde estivesse empregada.

Hoje continuo apaixonada pela minha profissão, mas – muito diferente do que pensava – estou aberta a mudanças. Minha crença em fazer o melhor é inabalável e serei  feliz onde quer que eu possa trabalhar.