Aos 16 anos precisei trocar de escola e de rotina pelo mesmo motivo que tantos outros adolescentes: trabalho. Estudava à tarde, no Centro de Porto Velho, na tradicional Barão do Solimões – a escola mais antiga de Rondônia, e fui transferida para a Eduardo Lima e Silva, no bairro Floresta – vizinho ao Eldorado, onde morava. Estudar à noite não estava nos meus planos para tão cedo, na verdade, naquela época eu não planejava nada. Em pouco tempo, minhas irmãs Aerllen e Kárita seguiram a mesma trajetória.
O portovelhês nosso de cada dia
Porto Velho completou ontem (2), 106 anos de fundação e hoje ao acordar meu segundo pensamento foi: queria tomar café lá no Mercado Central. Iria pedir mingau de banana com tapioca e uma tapioca com manteiga e castanha. Café para acompanhar. Taí uma saudade.
Uma coisa levou à outra e eu me lembrei de um texto que fiz para um caderno especial do Diário da Amazônia em homenagem ao aniversário de Porto Velho. Isso foi em 2007. Treze anos correram desde então. E esse texto foi o que me aproximou do Zé Carlos, o homem do Banzeiros – ou teria sido o contrário? Bom, isso é outra história.
Aproveita o embalo
Nas últimas três semanas tenho sonhado com o meu pai em situações cotidianas, aquelas que não damos importância. Hoje entrei numa conversa sobre suculentas no grupo de whatsapp dos meus irmãos e disse: “Por falar nisso, eu fiz hoje um brigadeiro com chocolate a 80%!”. E depois completei: sonhei com o papai.
Passei vergonha à toa
Essa paixão da minha mãe era o que provocava a atitude que me matava de vergonha. Se ela se engraçasse com uma planta no canteiro de uma casa, era certo que iria pedir “uma mudinha”. Tocava a campainha da casa ou batia palmas e mandava o pedido. E eu fazia cara de paisagem sem folhagens.
Por qual motivo eu não gostava de participar desse momento pedinte? Afinal, ela pedia, não afanava. Pedia somente exemplares de plantinhas que estavam em grande número, sem prejuízo ao conjunto e ao jardineiro.
Quantas mudinhas doadas têm naquele imenso jardim eu não sei. Também desconheço quantos jardins estão mais bonitos com as plantas gentilmente dadas por ela a quem pediu.
Eu sei que, por enquanto, tenho sete plantas trazidas da rua por mim, sendo que três eu pedi, as demais eram nativas de trilhas e estradas. Há também os capins e a macela trazidos da serra.
Entre a “coleção rua”, há um exemplar que trouxe de uma caminhada perto de casa. Coloquei no quintal num vaso improvisado e por meses não se desenvolveu. Então transferi a planta para o chão. Em poucas semanas sua folhagem estava brilhosa e a vida seguiu. Hoje ela floresceu e pelo aplicativo [Lens, do Google] soube seu nome: Canna indica.
Agora sei que passei vergonha à toa.
Doce de importância
Num domingo comprei banana da terra e separei duas para fazer o inigualável mingau de banana com tapioca, mas acabei fritando todas as bananas. Com isso parece que ficou claro que o mingau não é tão inigualável como eu supunha.
Mas ontem a tapioca ganhou o destaque que merece. Usei boa parte dela para fazer uma sobremesa para amigos que vieram nos visitar. Eles moraram durante seis anos em Porto Velho, gostam do que o Norte oferece e a tapioca aflorou as boas lembranças à mesa, como o tambaqui assado.
As coisas simples do dia a dia tornam a vida especial. Uma simples farinha é capaz de fazer você refletir sobre o que realmente importa. Valorizar o que somos hoje é dar importância a nós mesmos. Somente nós sabemos de nossas conquistas , as batalhas que vencemos contra nós mesmos, as guerras que ainda temos que enfrentar para nos tornarmos pessoas melhores. Para tudo isso a simplicidade está a nosso favor. Enquanto refletia sobre os passos que devo dar, preparei o bolo de tapioca, acho que o melhor de todos os tempos.
Amores de outubro
Dias após a publicação, ao chegar à redação e abrir o ‘MSN’ (sim, isso foi há mais de 10 anos!) uma mensagem de um amigo:” Você está com tudo hein? “. Não entendi, e precisei esperar muito tempo para que ele respondesse o meu “Por quê? O que houve?” Horas depois recebi o link da coluna Banzeiros. Era a resposta. O colunista político José Carlos Sá havia comentado o “meu” caderninho sobre Porto Velho (!!!). Eu fiquei eufórica, como se tivesse sido citada na revista Imprensa.
Acompanhava a coluna do JCSá, gostava do que ele escrevia, de suas observações, seu humor e ironia. Mas não o conhecia e ele estava elogiando meu trabalho. Enviei um e-mail em agradecimento à gentileza. Ele respondeu dizendo que acompanhava o meu trabalho há algum tempo. Mais e-mails.
Quase um mês depois nos encontramos pessoalmente. Seis meses depois ficamos noivos. Mês passado fizemos 10 anos de casados.
Tudo começou porque escrevi sobre Porto Velho. Escrevi com minha alma porto-velhense, com meu sotaque cantado, com meu vocabulário meio nordestino com sabor de açaí.
O de 2 outubro desde aquele 2007 passou a ter mais significado para mim. A cidade que eu nasci se juntou à minha paixão por escrever e trouxeram para mim o amor da minha vida.
Minha primeira e difícil mudança
No dia da mudança, lembro-me bem, me agarrei ao telefone e não queria largar, falando com uma grande amiga – da qual não tenho notícias há uns 30 anos, pelo menos -, seria o fim da minha vida viver longe dela, oh Deus! Eu chorava, esperneava em cima do caminhão da mudança. Que cena!
Mudamos para o fim do mundo, a rua Tancredo Neves, no recém-nascido Jardim Eldorado. “Socorro, cadê o jardim daqui? Só tem poeira, nesse lugar horroroso!”. O Pedrinhas era o bairro mais lindo do mundo para mim, só perdia para o bairro da minha avó em Campo Grande/MS. Era só o que eu conhecia.
Durante não sei quanto tempo, minhas irmãs e eu íamos passar os domingos no lindo Pedrinhas. Não lembro como essa rotina de matar a saudade cessou.
Talvez tenha sido quando resolvemos viver a realidade e aproveitar a companhia dos novos amigos da vizinhança. Nos adaptar a um bairro totalmente diferente do nosso querido Pedrinhas. Era tudo diferente. As ruas, as casas, os comércios, as pessoas.
A diferença entre as ruas José Bonifácio e Tancredo Neves continua até hoje. A rua do Pedrinhas, lá onde nasci, continua na mesma. A do Eldorado é uma grande via de acesso aos demais bairros que surgiram logo depois. Não lembra nada daquela rua de faroeste.
Em mim também ocorreram mudanças. Hoje resta muito pouco daquela menina cheia de medos e preconceitos e eu tenho apenas a agradecer.
O cheiro da toalha azul
Eu ainda guardo a toalhinha azul do pré. Ela passou anos na casa da minha avó, em Campo Grande. Um dia voltou para mim e comigo está até hoje. Tem o meu nome bordado e tudo.
É a prova ao apego que tenho à infância tão distante e inesquecível.