Conheci o mar quando eu tinha uns 21 anos. Foi em Fortaleza. Fiquei ali na praia parada olhando para aquela imensidão azul, apaixonada pelo que via. Lembro que usava um anel com uma pedra verde enorme e após sair da água percebi que o anelzão tinha ficado. “Foi a Iemanjá”, disse uma amiga que me acompanhava.
Saudade temperada
Se você ainda utiliza o Facebook, vai concordar comigo: o álbum de lembranças é o que há de melhor naquela desgastada rede.

Ontem, essa foto de um domingo em 2018, me revirou a memória. Zé Carlos e eu sorríamos após um maravilhoso café na Bachan – à época o melhor café regional de Porto Velho (ainda é?).
Primeiro aninho
E também adotamos o diminutivo. “Moço, quero um caldinho [de cana]”. Eu gostei? Mas é claro! Ah, é. Aqui tem caldo de cana por todos os cantos – rural ou urbano. Gostei ainda mais. E churros? Senhor do céu! Praças, cemitério, praia – sempre tem. Ainda bem que tem Pilates também.
Ainda sobre comida: o almoço começa a ser servido às 11h (nos restaurantes). O café da tarde é às 15h. Muitos restaurantes, principalmente pizzarias, abrem a partir das 18h para o jantar. O lanche mais comum é cachorro-quente prensado.
Ainda não tive vontade e nem coragem de provar o açaí vendido aqui e estou há um ano sem consumir o que há de melhor no Norte. Arrisquei a fazer tapioca com uma goma (argh!) que comprei no supermercado para nunca mais repetir a experiência. Não vou macular as boas lembranças da tapioca do Norte e Nordeste.
Mas no lugar da tapioca tem cuca, tem rosca, tem bolos e biscoitos. Tem uma variedade de queijos e frutas frescas.
Oh, São José, tu és uma beleza, mô quirido!
A mudança e a ponte
Um ano após o início da mudança de cidade estávamos, Zé Carlos e eu, comemorando a volta da Ponte Hercílio Luz. Aquela beleza de estrutura pela qual somos apaixonados. Uma ponte que para nós, assim como para outras pessoas, é o carimbo mais querido no passaporte das férias.
Essa ponte representa um desejo que nasceu em janeiro de 2012 quando do nosso primeiro encontro nessa vida com Florianópolis. Quase oito anos depois, lá estávamos nós e umas 50 mil pessoas festejando a reinauguração do ícone.
A volta da ponte é uma significativa comemoração a esse primeiro ano de nossa corajosa resolução de termos saído do cômodo para o desconhecido.

De volta às ruas
Durante a semana também conversei com famílias de refugiados da Venezuela, escrevi sobre estacionamento rotativo, lixo nas ruas, serviço de correios. Nada novo, além da empresa, o local e as expectativas.

Passei vergonha à toa
Essa paixão da minha mãe era o que provocava a atitude que me matava de vergonha. Se ela se engraçasse com uma planta no canteiro de uma casa, era certo que iria pedir “uma mudinha”. Tocava a campainha da casa ou batia palmas e mandava o pedido. E eu fazia cara de paisagem sem folhagens.
Por qual motivo eu não gostava de participar desse momento pedinte? Afinal, ela pedia, não afanava. Pedia somente exemplares de plantinhas que estavam em grande número, sem prejuízo ao conjunto e ao jardineiro.
Quantas mudinhas doadas têm naquele imenso jardim eu não sei. Também desconheço quantos jardins estão mais bonitos com as plantas gentilmente dadas por ela a quem pediu.
Eu sei que, por enquanto, tenho sete plantas trazidas da rua por mim, sendo que três eu pedi, as demais eram nativas de trilhas e estradas. Há também os capins e a macela trazidos da serra.
Entre a “coleção rua”, há um exemplar que trouxe de uma caminhada perto de casa. Coloquei no quintal num vaso improvisado e por meses não se desenvolveu. Então transferi a planta para o chão. Em poucas semanas sua folhagem estava brilhosa e a vida seguiu. Hoje ela floresceu e pelo aplicativo [Lens, do Google] soube seu nome: Canna indica.
Agora sei que passei vergonha à toa.

Receita de bolo de macaxeira feito com aipim
Às vezes tenho a impressão que algumas pessoas gostam de dificultar algo simples para mostrar o quanto são abençoadas com o dom de cozinhar (ou qualquer outra habilidade). Eu não tenho a menor paciência com conteúdos assim. Por isso, fiz o que uma pessoa com certa experiência em preparar bolos para o café da manhã faria: adaptei.
Minha receita: Primeiro ralei a raiz (1 kg) comprada como aipim – que após estar em minha posse passa a ser chamada de macaxeira. Após tudo ralado e meus bíceps bem malhados, juntei no liquidificador 3 ovos, uma xícara de óleo e outra de leite, uma xícara de açúcar. Bati tudo e depois aos poucos fui acrescentando a macaxeira ralada. Transferi a massa para uma bacia, provei, acrescentei um pouquinho mais de açúcar e uma colher (café) de sal. Adicionei 50 gramas de côco ralado. Mexi tudo. Liguei o forno, untei a fôrma (retangular grande, não me pergunte por diâmetros, por favor) e voltei à massa para acrescentar uma colher (sopa) de fermento. Transferi a massa linda, cheirosa e com cara de quem teria sucesso na vida para a forma e coloquei no forno a 180ºC. Após 50 minutos assando, tempo que utilizei para aplicar uma máscara nos cabelos, o bolo estava pronto para ser admirado e saboreado.

O resultado: Quando cortei o primeiro pedaço pensei: “Meu Deus! Tá com cara que deu certo!”. Ele estava fofinho e cremoso ao mesmo tempo. Uma emoção tão grande me invadiu ao experimentar aquele simples pedaço de bolo que eu estremeci. O sabor era perfeito, tipo um mingau em forma de bolo – exatamente do jeito que eu gosto. Uma vitória, sem dúvida.
Essa receita preparada no meio da tarde de forma desprentenciosa me trouxe algumas reflexões. Uma delas: como saber se não tentar?
Porque eu amo junho
No início havia mais: brincar perto da fogueira, fazer promessas de amizades, dançar quadrilha, comer paçoca e bolo de milho, ah, claro! e muita pipoca. Depois as visitas aos arraiais, o passeio pela cidade para ver as fogueiras de São João. Mais recentemente, organizávamos uma festa em casa, em Porto Velho, onde tínhamos delícias da culinária junina e o melhor que há na vida: amigos. O Arraiá Duzamigo era, principalmente, a minha expressão sobre junho.
Neste ano, o sentimento íntimo não é diferente, o que muda é o ambiente em comum. Não há os festejos como eu conheço, a tradição de arraiais e quadrilhas não faz parte da cultura de São José e Florianópolis. Após muita pesquisa, nada consegui saber sobre eventos juninos. Mas, por acaso, ouvi um carro de som anunciando um arraial. E lá fomos nós. Desnecessário dizer o quanto estava ansiosa para conhecer o hábito festivo do Sul.

A primeira diferença é o horário: aqui as festas começam à tarde para acabar à noitinha. Pelo menos nesse arraial de uma creche comunitária não havia mingau de milho, curau ou arroz doce. O bolo de milho devia ser fantasia. E mesmo assim eu adorei! Tinha pinhão e amendoim na casca, cachorro-quente e paçoca. Que maravilha! Toda a festa tinha como objetivo um bingo de mil reais. Toda comunidade ansiosa para levar a dinheirama para casa. Enquanto não começava a disputa pelas notas, fizeram rifas de bolos, doces e bebidas.
No próximo junho, a festa será em nossa casa. Um arraial com sabores do Sul temperados com recordações do Norte. Anarriê!
Mudei de estado e de vocabulário
Ontem percebi que tenho chamado de mosquito a todas essas pestinhas minúsculas. Meses atrás eles eram carapanãs. Parei para refletir sobre essa mudança e acho que alterei o sinônimo irrefletidamente para me adequar à região onde hoje eu moro, na Grande Florianópolis.
Assim como precisei renovar o guarda-roupas com peças invernais, adotei palavras conhecidas mas que não eram utilizadas por mim, como aipim, chuleta, mexerica – para ficar só na feira. Eu não vou me aferrar a um vocabulário que não colabora com minhas atividades cotidianas. Portanto, dicionário portovelhês, ou nortista, só quando estiver conversando com falantes – ou entendidos – dessa variação de falares brasileiro. Ou seja, em casa.
A língua não é produto pronto e acabado e, por isso, se renova o tempo todo e quem faz isso somos nós, os falantes. Como a posição social ou a raça, a língua também separa. Ou melhor, os falantes a usam como régua para medir o que importa dentro de suas suposições preconceituosas. Ninguém é mais ou menos por falar macaxeira ou mandioca; nóis vai ou nóis veio; vendimo ou vendemos. Mas isso é assunto para outra conversa, visse nêgo?

*maceta= muito grande, em portovelhês.
Apenas uma placa

Não é apenas um nome de cidade na placa. É a cidade da minha história. Ela estava sempre ali, por onde eu andava, me lembrando de onde vim. Algo tão simples e que me fez sentir um aperto no coração quando recebi as fotos enviadas pelo Zé Carlos diretamente do Detran.
Porto Velho não estava mais ali. São José agora é quem estará comigo por onde eu for.

Estará no endereço, na placa do carro, na volta para casa, meu novo lar.
E Porto Velho? É mais que um lugar, um endereço, uma placa. Porto Velho, maninha, esse não sairá jamais de mim. É ruim hein?!